DISCO: Cantos Populares do Brasil de Elsie Houston

 

Goma-Laca: Cantos Populares do Brasil de Elsie Houston é inspirado nas canções anotadas por Elsie Houston no livro Chants Populaires du Brésil, publicado na França em 1930 e até hoje inédito no Brasil. A publicação inclui 42 temas do cancioneiro popular que passeiam por gêneros como lundus, modinhas, cocos, emboladas, acalantos, cantigas indígenas e do candomblé, muitos deles escutados e anotados pela própria Elsie em suas andanças pelo país.

Na busca pelas histórias e geografias de cada melodia e seus cantadores, nos apoiamos na discografia brasileira em 78 rotações, jornais e partituras da época que, cruzados, formam um mosaico de rimas, estribilhos, ditos, ideias. Cantos Populares do Brasil é um labirinto de melodias que há séculos se cruzam, se fundem e se reinventam na inspiração de cada um.

O CD vem acompanhado de um libreto ilustrado de 100 páginas, que traz uma retrospectiva da biografia de Elsie Houston, fotografias exclusivas e manuscritos e textos detalhados sobre o repertório. A publicação traz ilustrações em linoleogravura da artista Heloisa Etelvina, desenvolvidas exclusivamente para cada uma das canções e projeto gráfico de Danilo de Paulo.

Realizado com apoio do Programa de Apoio Cultural do Estado (ProAC 21/2018), o disco foi gravado no estúdio A da YB, em São Paulo, e reuniu músicos de diferentes estilos, origens e estados, tão conectados com a tradição quanto interessados em fazer música nova e livre, como Alessandra Leão (voz e ilu), Pastoras do Rosário da Penha (vozes), Lívia Mattos (voz e sanfona), Marcelo Pretto (voz), Siba (voz e rabeca), Juçara Marçal (voz), além de Luca Raele (clarinete), André Mehmari (piano) e Alice Oliveira (harpa) e banda formada por Marcos Paiva (contrabaixo acústico), Filipe Massumi (cello), Rodrigo Caçapa (viola dinâmica), Júnior Kaboclo (flautas) e Beto Montag (vibrafone).

Além de promover conexões entre antigos temas musicais com o universo musical contemporâneo, o disco busca ressignificar a importância de Elsie Houston na história da música brasileira – não apenas como artista, mas também pelo pioneirismo feminino na pesquisa e difusão internacional da música tradicional do Brasil.

 

 

 

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01 Alessandra Leão – Xangô (5:18)

02 Alessandra Leão e Pastoras do Rosário – Taieiras (4:27)

03 Marcelo Pretto – Bem-te-vi (5:12)

04 Lívia Mattos – Bambalelê (5:15)

05 André Mehmari – Perdiz Piou (:54)

06 Juçara Marçal – Adê Chariô (6:49)

07 Alessandra Leão – Aribu (3:01)

08 Alessandra Leão – Nozani-ná (Canto Paresí) (6:45)

09 Filipe Massumi – Fotoró tó tó (0:47)

10 Alessandra Leão – Coco Dendê Trapiá (3:31)

11 Siba e Alessandra Leão- Cordão de Prata (3:25)

12 Juçara Marçal e Pastoras do Rosário – Oro Só (2:52)

13 Alessandra Leão – Meu Barco é Veleiro (2:41)

14 Alessandra Leão – Passarinho Verde (3:57)

15 Alessandra Leão e Juçara Marçal – Estrela do Céu (3:22)

16 Alice Oliveira – Ai Que Coração (0:58)

17 Lívia Mattos e Alessandra Leão – Cabocla Bonita (5:08)

18 Marcelo Pretto – Espingarda Pá (3:06)

19 Alessandra Leão – Puxa o Melão Sabiá  (3:24)

20 André Mehmari – Xangô Gondilê (3:28)

 

com

Alessandra Leão (ilu e percussões), Marcos Paiva (contrabaixo acústico), Filipe Massumi (violoncello), Junior Kaboclo (pífanos e flauta transversal), Rodrigo Caçapa (viola e zabumba)

Luca Raele (clarinete), Beto Montag (vibrafone), Jhony Guima (congas), Alice Oliveira (harpa), André Mehmari (piano e órgão hammond)

 

 

Direção geral, concepção, pesquisa e textos: Biancamaria Binazzi e Ronaldo Evangelista

Projeto: Biancamaria Binazzi (Estúdio Manacá)

Produção Executiva: Ana Lima e Pamela Gopi

Produzido por Ronaldo Evangelista

Gravado em dezembro de 2018 e fevereiro e março de 2019 no Estúdio A da YB por Cacá Lima, com assistência de Fred Pacheco, Gustavo Ruiz, Eric Yoshino. Vibrafone em “Bem-Te-Vi” gravado por Ricardo Martins no Estúdio Sambatá. Órgão Hammond em “Perdiz Piou” e piano em “Xangô” gravados por André Mehmari no Estúdio Monteverdi.

Mixado e masterizado por Cacá Lima.

Capa: Heloísa Etelvina e Danilo de Paulo

Ilustrações: Heloisa Etelvina

Projeto Gráfico: Danilo de Paulo

Vídeos: Eugênio Vieira

 

 

TEMPO DE ESCUTA, por Biancamaria Binazzi

Cantos de trabalho. Cantos de louvor. Cantos de festa e despedida. Quais as vozes que Elsie Houston escolheu para traduzir a paisagem sonora do Brasil do seu tempo? Na roda, na rua, no rádio, no disco 78 rpm, Elsie ouvia música de brincar, de dançar, de ninar, de rezar. Lápis e papel na mão. Quem foram suas mestras e mestres? Temperatura, espírito, levada e movimento. Mais do que Elsie que canta, esse disco é sobre Elsie que escuta. 

Começamos a rastrear a escuta de Elsie Houston em 2017 quando nos propusemos a recriar as melodias apresentadas no livro Chants Populaires du Brésil para um show-semente no Instituto Moreira Salles. Para desenhar o show, encontramos três exemplares do livro. Um deles pertenceu a José Ramos Tinhorão e está no acervo do IMS-RJ. Outro, puro ouro, está no Instituto de Estudos Brasileiros (USP), com dedicatória de Elsie para seu “amigo e professor de estética” Mário de Andrade e tem reveladoras anotações à lápis do musicólogo-poeta. O terceiro, em versão digital, está disponível no site da Biblioteca Nacional da França. Baixamos para poder rabiscar. Rabiscamos. Entre 42 canções, escolhemos algumas para tentar representar a diversidade no ouvido da nossa estrela-guia.

Como um mapa da mina, o livro mostrou um caminho inesperado que, mais do que revelar o tempo sonoro de Elsie, nos conectou ainda mais com o tempo presente. O que a musicalidade de um tempo conta sobre realidades emocionais e sociais? Encontros. Conversas. O processo do disco ligou gente que, como Elsie, faz arte livre escutando o redor e a história. Músicos, pesquisadores, colecionadores, artistas, produtoras. Choramos juntos pelo incêndio no Museu Nacional e pela a flauta sagrada Ualalocê. Elsie nos levou à  Igreja do Rosário dos Homens Pretos, na Penha, para escutar o canto de amor e resistência das Pastoras; ouvimos os Haliti-Pare do Mato Grosso hoje e há cem anos atrás. Viramos noite desembolando a poesia à milhão de Jararaca em disco 78 rpm. Nos ensaios à base de piano, ilu e pão de queijo, Elsie soprava cantos de passarinho e louvações ancestrais. Encontramos Jacqueline Perét, sua neta. Tocamos fotos e manuscritos, escutamos memórias. 

Enquanto o disco nascia, íamos sendo atravessados pelos acontecimentos do nosso tempo e, cada vez mais, fazia sentido seguir o rastro de Elsie Houston. Em tempos desgovernados em que vozes, rios, pássaros, pessoas, direitos e pesquisas são silenciados dia após dia, Elsie Houston ainda ensina. Escutar é preciso. Ouvir é estar junto.

 

 

MÚSICA À MEMÓRIA, por Ronaldo Evangelista

 Folk-lore, música tradicional, temas populares, domínio público – aspas a gosto -, mergulhar na jornada de leitura e releitura do olhar de Elsie é ver revelarem-se pedaços da profunda miscigenação que funda o que podemos entender como música brasileira. No centro destas canções que nos embalam como que brotadas direto do inconsciente coletivo, fomos encontrar o que havia de atemporal e de atual em cada tema, pescando ideias de cada versão, cada arranjo, cada lembrança.

 

Puxando o cordão do festejo Goma, Alessandra Leão, com sua voz e seu ilu, presença e ritmo, espinha e base. Reforçando as estruturas, o contrabaixo de Marcos Paiva, jazzístico e brasileiro, com excelência formal e abordagem desamarrada. Filipe Massumi, de ouvido ultrassensível e intimidade com seu cello, sem esforço acrescentando versatilidade e criatividade sem fim. Junior Kaboclo, encarnando flautas e pifes, criou junto, ambientou, acrescentou, ampliou. Quarteto firme, por manhãs e tardes e noites no Estúdio A da YB fomos lapidando pontos-de-vista e escutas, encontrando novidades sem prazo de validade e unindo vozes em harmonias universais, recebendo convidados, ouvindo, criando. 

 

As Pastoras do Rosário, com sua força individual e coletiva, iluminaram e abençoaram. Lívia Mattos, sanfona, voz, humor, energizou e elevou. Siba cantou, rabeca chorou, conexão formou. Marcelo Pretto, matando no peito, no pinote e com coração. Juçara Marçal, grande escopo, sempre no alvo, justamente de volta conosco. A cada presença, um presente. Tocando junto, somando sons, Caçapa com sua brilhante viola dinâmica e zabumba firme, Beto Montag de ouvidos atentos ao seu vibrafone passeando com elegância, Luca Raele voando alto com seu clarinete solto e sábio, Alice Oliveira descobrindo mundos com sua harpa, André Mehmari trazendo à superfície a alma do piano.

 

Arranjos elemento-a-elemento, abrindo vazios e preenchendo espaços, bases e coberturas costurando contrapontos, comentários, climas e texturas em transparentes construções modernistas, mais sugerindo do que revelando harmonias. Minimalismo e frescor em formação acústica, banda de câmara e de rua, de qualquer momento de séculos recentes, como uma ponte no tempo entre nossos ouvidos contemporâneos e a época em que se cantavam essas canções pela primeira vez, em algum momento esquecido em tantos ontens. Goma-Laca é sempre o encontro – das canções e de cada voz que elas pedem, de essências e atualidades, do antigo e do novo, do milenar e deste exato minuto.